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Por que falar sobre Chernobyl aqui no Totós da Teté?

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Tempo de leitura: 4 minutos

Vamos voltar 34 anos no tempo para falar de abandono de cães por medo de contaminação – alguém aí pensou em coronavírus e aumento de casos de totós deixados para trás? É essa mesmo, a associação desejada. Guardadas as necessárias, importantíssimas e devidas proporções, a história que trago do passado para esta coluna comprova que a negligência e a indiferença de hoje são o problemão de amanhã.

Em 26 de abril de 1986, um reator da usina nuclear de Chernobyl, perto da cidade de Pripyat (Ucrânia), falhou e lançou lixo contaminado e radiação por milhares de metros quadrados da região. O próximo domingo, portanto, marca a data de uma das piores catástrofes nucleares da humanidade. Mas o que isso tem a ver com cachorros?

Trinta e seis horas depois da explosão, milhares de moradores da região foram obrigados a evacuar a área sem recusas, com a promessa de que voltariam em dois dias. Nunca mais voltaram – não puderam e provavelmente não quiseram, porque a seriedade dos efeitos do acidente foi ficando aterrorizante. As estimativas sobre o número de vítimas humanas fatais são discordantes. Todas as pessoas restantes tiveram cerca de 50 minutos para abandonar a região, levando o mínimo possível, conforme determinaram as autoridades. NINGUÉM foi autorizado a embarcar com ANIMAIS DOMÉSTICOS nas centenas de ônibus estacionados na estrada que levariam todos para bem longe da (hoje assim chamada) zona de exclusão, que tem cerca de 1.000 milhas quadradas (ou 2.590 km quadrados, me disse o Google).

Todas as famílias deixaram seus cães para trás.

Eu confesso que não sabia desse detalhe desesperador de um fato já suficientemente comovente por si só (o desastre). Foi um golpe no meu estômago (e logo ali abaixo, neste texto, eu conto como descobri isso e, ufa!, compartilho um alento). Conta-se que muitas pessoas suplicaram para que os animais pudessem ir junto com elas, e que muitos cães tentaram perseguir os ônibus por um bom tempo.

O episódio dos cães é um dos mais impactantes da série Chernobyl, exibida no ano passado pela Sky Atlantic e HBO. E não faltam requintes de crueldade. Apesar de a história sugerir que não havia outra alternativa, pelo ineditismo e consequente falta de preparo para lidar com os efeitos do desastre, fica difícil aceitar que grupos de soldados soviéticos foram destacados para voltar à região e fuzilar todos os animais, um a um. O objetivo era impedir a propagação da radiação. Nem filhotes foram poupados. O livro “Chernobyl prayer: A chronicle of the future”, da jornalista russa Svetlána Alexiévich, Nobel da Literatura em 2015, relata o fato. As cenas de fuzilamento de cães, na série, são angustiantes.

A região era muito grande e a missão se tornou impossível. Os animais não foram eliminados em sua totalidade e, sem ações alternativas e organizadas por anos e anos, visando ao resgate deles, Pripyat passou a abrigar inúmeros descendentes dos animais abandonados que procriaram sem controle. Em 2013, estimavam-se mais de 1.000 cães apenas na zona de exclusão. Trabalhadores que mantinham o sarcófago do antigo reator e poucos residentes locais usavam restos de suas próprias refeições (já bem restritas) para alimentar os cachorros. Mas isso não era suficiente, e a raiva (entre outras doenças), a superpopulação e a desnutrição desses animais se transformaram em um gigantesco problema.

Uma das coisas mais impressionantes sobre os cães que vivem em Chernobyl é que eles são todos relativamente jovens - a maioria não vive por mais de quatro ou cinco anos. Embora doenças, desnutrição, lobos e outros predadores contribuam para suas vidas curtas, a principal causa de morte são os gélidos invernos ucranianos.

Foi este o cenário que motivou o surgimento da ONG Clean Futures Fund – CFF , que em parceria com a SPCA International (SPCAI) criou o programa #DogsOfChernobyl .

A primeira prioridade do projeto foi vacinar e esterilizar pelo menos 70% dos cães em três anos, uma meta que foi alcançada no ano passado. Desde 2017, a CFF visita a região para dar continuidade ao projeto. A vitória mais recente é a permissão para colocar em adoção os filhotes encontrados – em geral, os cães mais velhos não têm a mesma sorte.

Em maio de 2018, o primeiro lote de cães chegou aos Estados Unidos para ter uma vida fora da zona de exclusão. Se você pesquisar a hashtag #DogsOfChernobyl nas redes sociais, você vai conhecê-los e também ver alguns dogs que vivem na cidade ucraniana, como o Tarzan, aqui na imagem, que é bem famoso.

Foi de forma inusitada e despretensiosa que eu tomei conhecimento desse triste episódio sobre cães na Ucrânia e também sobre esse projeto (que tentar reverter o grande problema do abandono ocorrido lá em 1986): recebi de um amigo a informação de que, em tempos de confinamento, a Airbnb tinha criado um tipo de serviço em que as pessoas podiam experienciar realidades de forma remota (online). Entre as experiências de “impacto social” vendidas, estava a de acompanhar, em campo, o projeto #DogsOfChernobyl. Claro que todo o dinheiro vai para a causa (custa R$ 269 por pessoa).

Você pode ver isso aqui: https://www.airbnb.com.br/experiences/1663575?source=p2

Numa próxima coluna, eu pretendo compartilhar mais detalhes do trabalho dessa ONG. Ainda não tive o retorno da entrevista pedida ao co-fundador do projeto. Eles estão enfrentando graves problemas (mais?!) nesse momento, lá em Pripyat: incêndios estão tomando a região desde o início de abril e tornando ainda mais complicada a vida que resiste lá. Fora que estamos em confinamento mundial, e a entrada de pessoas para agir localmente está limitada.

Mas não posso terminar o texto sem fazer o link que sugeri lá no início. Abandonar os cães por causa do coronavírus não é a solução para nada – nem mesmo se fosse comprovado (o que ainda nem é!) que eles podem transmitir a COVID-19 para humanos. A História ensina.

Referências citadas:
A série Chernobyl: https://en.wikipedia.org/wiki/Chernobyl_(miniseries)
A ONG http://cleanfutures.org/projects/dogs-of-chernobyl/

Nas redes sociais:
https://www.instagram.com/cleanfuturesfund/

https://www.instagram.com/thatchernobylguy/
https://www.instagram.com/radioactivedoggos/
https://www.facebook.com/groups/chernobylexplorationgroup
https://www.facebook.com/DogsofChernobyl/

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John Grogan

Tempo de leitura: < 1 minuto “Cães não precisam de carros luxuosos, casas grandes ou de roupas chiques. Água e alimento já são o suficiente. Um cachorro não liga se você é rico ou pobre. Esperto ou não. Inteligente ou não. Entregue o seu coração e ele dará o dele. De quantas pessoas podemos dizer o mesmo? Quantas pessoas fazem você se sentir raro, puro e especial? Quantas pessoas nos fazem sentir extraordinários?”John Grogan

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