Pesquisar
Close this search box.
Pesquisar

Não faça o que eu fiz

Compartilhe:
Facebook
WhatsApp
Twitter
LinkedIn
Tempo de leitura: 5 minutos

Durante 9 anos, dois meses e 20 dias, eu tive o privilégio de conviver com a cadelinha mais adorável, alegre, valente, criativa, inteligente, divertida, extrovertida, companheira, carinhosa e aventureira que eu conheci em toda a minha vida. Se não fosse a Luna, eu nunca teria provas de que um cão pode ser isso tudo. (Eu sabia que não escreveria esse texto sem chorar…)

Luna, uma pequena e redondinha yorkshire (nas suas fases mais gorduchas chegou a pesar 5,1 kg), teve de partir em maio deste ano. Foi a alternativa que me restou diante do sofrimento causado por um edema pulmonar agudo: metástases no peito e no dorso, provavelmente decorrentes de nódulos mamários retirados quando ela tinha por volta dos 6 anos, a impediam de respirar direito, comer e principalmente ser a Mimo (seu apelido final – ela teve tantos ao longo da vida!) que ela era e eu conhecia. Me restou um misto de tristeza e saudade difícil de medir e um tanto de culpa.

Submeti a Luna à castração quando ela tinha quase 4 anos. Tarde demais. Esses quatro anos de exposição hormonal durante os cios foram fatais para ela. FATAIS. Eu sabia que a castração era defendida por veterinários. Por que não fiz? Basicamente, por inexperiência (foi minha primeira fêmea como tutora integral) e porque uma nuvem de arrogância gigante nublar o meu discernimento: eu achava que com a gente não ia acontecer. Eu digo a gente porque eu sofri com ela. Eu digo a gente para ficar bem claro: são nossas escolhas como tutores que determinam a vida que os nossos cães terão. A Luna foi vítima de uma decisão minha. Por isso, eu peço: não faça o que eu fiz.

Mas, afinal, o que há com a espécie canina que a faz carregar na sua própria fisiologia os algozes do câncer? Por que o que é para ser natural e esperado (o cio e a exposição hormonal) acaba provocando tumores? Desde o diagnóstico da Luna (em fevereiro deste ano), esses questionamentos me intrigaram. Conversei com quatro veterinárias (uma delas oncologista) e compartilhei minhas dúvidas acerca da relação castração x câncer num grupo de whatsapp com outros 30 profissionais da área. A seguir, um resumo:

  • O câncer canino é, para a medicina veterinária, um desafio igual ou maior do que essa doença é para a medicina humana. Uma das fontes citou um estudo norte-americano que afirma: os cães têm 10 vezes mais chance de ter câncer do que a espécie humana. Segundo essa pesquisa, tumores são a principal causa de morte canina, seguidos de doenças musculoesqueléticas, como artrose e reumatismo, e neurológicas.
  • Porque os cães passaram a viver mais, a incidência da doença aumentou. A expectativa de vida praticamente dobrou nos últimos anos. Na atualidade, um cão pode chegar a 13-18 anos ou mais, dependendo da raça. Quanto mais velho, mais suscetível estará a desenvolver algum tipo de tumor.
  • Os animais ficam expostos aos mesmos riscos desencadeadores de câncer em humanos: poluição, sol, alimentação ruim, fumaça de cigarro, sedentarismo, estresse, enfim, fatores ambientais e de estilo de vida – sem contar a predisposição genética, a raça e a idade. Veterinários de uma linha mais psicossomática trazem ao debate o fato de os cães da cidade grande estarem afastados de uma vida mais instintiva e natural para eles.

A única coisa que um tutor responsável e preocupado com o bem-estar de seu cão pode fazer é se cercar de atitudes PREVENTIVAS.

  • Não é todo tumor que está ligado a hormônios e órgãos de reprodução, mas muitos estão. Dessa forma, como o câncer é multifatorial e a predisposição genética é difícil de mapear, recomenda-se a castração.
  • A esterilização de fêmeas (retirada de útero e ovários) na idade certa praticamente elimina um dos mais comuns tumores malignos para elas: o mamário. Também acaba com o risco de piometra (a inflamação uterina) e de gravidez psicológica — todas essas situações muito dolorosas para a espécie e que vão gerar muita dor de cabeça aos tutores.
  • Idade ideal de castração em fêmeas: a melhor decisão é individualizada, caso a caso, principalmente levando em conta a raça. Mas se sabe que a castração antes do primeiro cio consegue quase zerar a chance de desenvolver tumor nas mamas. Imediatamente após o primeiro cio, a prevenção continua bem significativa, mas a chance de ter câncer já sobe para a casa dos 20%. Do terceiro cio em diante, praticamente SE ANULA a possibilidade de prevenção do tumor mamário.
  • Mesmo tardiamente, a castração continua indicada porque vai evitar outras complicações, entre elas, a piometra e a gravidez psicológica já citadas aqui, e as doenças sexualmente transmissíveis, como o tumor de Sticker, altamente contagioso. E o mais importante: a castração é um procedimento cirúrgico, logo, requer cuidados que são muitos mais simples em um cão jovem do que em um já adulto.
  • Idade ideal para castrar machos: antes de completar 1 ano de vida, principalmente se a intenção for parar com a demarcação de território (quanto mais idade, mais difícil tirar esse hábito). A castração não envolve a questão preventiva de câncer tanto quanto nas fêmeas (que está bem documentada), embora esteja relacionada, sim. De qualquer forma, é elevadíssima a incidência de tumores testiculares e/ou de hiperplasia da próstata que, mesmo benigna, pode comprometer bastante a qualidade de vida do macho, como dificuldades para urinar, infecções etc.
  • Idade ideal em fêmeas e machos: o foco na decisão individualizada se dá porque já há estudos demonstrando que, para algumas raças, principalmente as de porte G, pode ser contraindicada a esterilização muito precoce (antes do primeiro cio nas fêmeas), porque raças grandes desenvolvem as articulações mais tardiamente. Seria necessário esperar esse amadurecimento, sob pena de isso causar algum prejuízo na fase adulta. Cita-se ainda, como aspecto a ser considerado para decidir a idade da castração, a infantilização da vulva ou do pênis.
  • Podemos dizer que um animal castrado, na idade ideal para ele, não terá câncer ligado à mamas e sistema reprodutor? Quase 100% sim. Podemos dizer que um animal castrado, na idade ideal para ele, nunca terá nenhum tipo de câncer? Não podemos.
  • A nocividade da exposição hormonal, no caso de tumor mamário, não está restrita à espécie canina. Mulheres estão suscetíveis a isso, como se sabe. E o que nos recomendam? Prevenção. Exames regulares de apalpação, mamografia etc. porque no caso da espécie humana não se pode exigir a esterilização, certo?
  • A explicação está no nível bioquímico, e eu vou pular isso, mas o fato é que hormônios (uma grande variedade deles) potencializam o surgimento de tumores quando aquele corpo já tem uma predisposição à doença.
  • Por causa dessa relação entre hormônios e tumores, é absolutamente reprovável usar métodos contraceptivos para evitar o cio de fêmeas. Essas injeções ou comprimidos são puramente hormônios e carregam o risco já descrito até aqui.
  • A melhor coisa que um tutor pode fazer é identificar um veterinário capacitado e construir com ele uma relação de total confiança desde que o animal é bebê. Se for de raça, vale a pena procurar um profissional especialista nela. Ou seja, sempre procurar a melhor orientação. O importante é manter uma agenda regular de exames e visitas ao veterinário, desde a infância do seu cão, para que esse médico conheça seu animal como a palma da mão dele.
  • Os check-ups preventivos são a melhor coisa que você pode fazer por seu animal. O prognóstico que se oferece a um cão com tumor em fase bem inicial é muito melhor, e as respostas do bichinho a um tratamento também. Identificados em fases iniciais, há cânceres que podem ser tratados de forma muito promissora, e o animal pode até ser curado.
  • Um dos sintomas mais comuns em casos de câncer é o emagrecimento e a prostração, mas nessa fase a doença provavelmente está avançada. No caso da minha Luna, ela não perdeu peso. O sintoma que me fez levá-la ao veterinário, em fevereiro, era uma espécie de engasgo/tosse que ela vinha apresentando sempre que se agitava. O raio-X mostrou que os nódulos estavam modificando o posicionamento da traqueia. Até março, a Luna tinha uma vida normal, não demonstrava absolutamente nada, fora a tosse eventual (que depois se intensificou), e isso impressionou os veterinários (eu não disse que ela era valente?!).
  • O avanço da doença é muito rápido quando chega aos pulmões. E não há nada que se possa fazer. A quimioterapia, além de debilitante, só adiaria o inevitável. Com corticoides, ozonioterapia, homeopatia e até cirurgia espiritual para pets, minha pequena teve uma sobrevida de 2 meses e 20 dias.

Não faça o que eu fiz.

Fontes: veterinárias Raquel Michaelsen, Roberta Costa, Marilda de Oliveira Bilhalva e Eloete Teixeira

Você também pode gostar

plugins premium WordPress

Fale conosco

🍪 Utilizamos cookies para melhorar a experiência em nosso site e personalizar o conteúdo. Ao utilizar este site, você concorda com o uso de cookies. Leia nossa Política de Privacidade.